Texto produzido e enviado pela leitora Nathalia Bertolo
Repare, leitora, antes de tudo, que eu não me proponho, aqui, a pesquisar as importantes mulheres da história. Muito pelo contrário: tomo por base o que absorvi passivamente de conhecimento desde que minha consciência despertou para essas questões. Faço também a advertência de que esse é um assunto que muito me interessa há certo tempo, logo é possível que eu não forneça um panorama fidedigno da realidade geral. Porém, como toda percepção indireta é uma forma de antropofagia intelectual, que cada um faça a digestão como preferir.
As não matemáticas, as não físicas, as não cientistas, as não escritoras, as não escultoras e as não artistas. Nos nove anos de ensino fundamental, nos três seguintes de ensino médio e no ano e meio de ensino superior, onde estavam as mulheres que eu deveria ter conhecido?
Se uma árvore cai e não há ninguém perto para ouvi-la, ela fará barulho? Esse é um questionamento bastante difundido, cuja autoria não importa no momento, que funciona como metáfora para a questão da mulher na história. As mulheres também existiram, mas se não havia quem as notasse como agentes no mundo (além dos papeis biológicos óbvios), pondero se elas realmente existiram além dos efeitos práticos do ser.
A cada dez autores conhecidos fora da literatura, pergunto: quantos são mulheres? Aliás, na própria literatura, o aparecimento delas é relativamente recente. Consigo citar Shakespeare, Maquiavel, Galileu, Miguel de Cervantes. Consigo pensar em Platão, Aristóteles, Heródoto, e apenas um sussurro em minha mente sugere Hipátia. Existem ainda Aluísio Azevedo, Bernardo Guimarães, Machado de Assis, José de Alencar, Castro Alves. E Nísia Floresta, Júlia Lopes de Almeida, conhece? Eu não.
Virginia Woolf disse, em tradução livre: “arrisco dizer que Anônimo, que escrevia muitos poemas sem assiná-los, era, frequentemente, uma mulher”. Ainda existe tentativa de apagamento e, por mais sutil que ela seja, não se restringe ao passado distante: J.K. Rowling utilizou as iniciais como um nome neutro, pois um editor a convenceu de que meninos não leriam um livro escrito por uma mulher; Nora Roberts escrevia com o pseudônimo J.D. Robb, Mary Anne Evans publicava como George Eliot, as irmãs Brontë adotaram nomes masculinos para serem publicadas, Jane Austen também escolheu publicar anonimamente. Ou seja, intelectualmente, ser mulher não era bom, não era sequer indiferente — era ruim.
E as mulheres que não se destacaram, onde estão? Há algum problema em não se destacar? O problema não está na falta de destaque, mas no que pode ser a causa. Por questões probabilísticas, a quantidade de nomes masculinos e femininos conhecidos deveria ser semelhante. Uma discrepância significativa mostra que em algum ponto do mecanismo de ascensão intelectual, algo diferencia mulheres e homens e faz com que estes tenham vantagem.
Nesse semestre, além das matérias do curso regular, estudo ciência política. Dos 22 autores que tive e terei que ler ao longo desses meses, apenas seis são mulheres. Para estudar produção científica feminina, existem disciplinas específicas, como Filosofia e Feminismo, ministrada no verão passado na Universidade de Brasília. Essa não é uma crítica à promoção do estudo da ciência feita por mulheres, seja lá em quais moldes, mas apenas uma reflexão acerca do porquê de sermos conhecimento complementar.
Recentemente percebi que conseguia citar mais mulheres apresentadas em capas de revistas “masculinas” do que autoras que estudei durante toda a vida acadêmica. Por outro lado, não sei de um único homem figurado em revistas semelhantes. Por que à mulher foi destinado o papel estético em detrimento do intelectual? As mulheres são industrializadas e inseridas numa competição mercadológica baseada na demanda masculina e a característica com melhor custo-benefício é a beleza física.
Pensei em falar sobre o problema dos ministros no governo interino e percebi que sequer precisaria me preocupar ao usar a generalização masculina, afinal, é um ministério composto inteiramente de homens. Apagadas, novamente. Apagadas da presidência, varridas do governo, colocadas no devido lugar. Que proporção isso tomará historicamente? Seremos retratadas como resistência ou como tentativa frustrada?
E nem vou entrar no mérito das opressões sobrepostas. Se estou digitando meus pensamentos com um ímpeto perceptível pela força com que bato nas teclas do computador, o que dizer das invisíveis dentro das apagadas? Onde estão as lésbicas? Onde estão as negras? Onde estão as indígenas? Onde estão as mães?
Perceba, leitora, que fiz mais perguntas que esclarecimentos. Utilizei aproximadamente 20 pontos de interrogação nesse texto. Mostrei aqui minhas questões, que superam em muito os esclarecimentos. Nesse sentido, invoco o “poder da negação” dialética, em que os opostos não se destroem, mas se desenvolvem lentamente um no outro.
Sendo assim, só resta esperar que minhas frequentes perguntas e quase inexistentes certezas tenham trazido consigo algo positivo no constante processo de pensar sobre o mundo que é a arte de ensaiar.
Não poderia deixar, também, de associar o estilo escolhido à própria ideia de libertação que permeia meus ideais. Fiz diversas perguntas de orientação sobre o gênero ensaio e cada resposta concedia mais liberdade que a anterior. Meus rabiscos digitais foram uma patinação muito agradável ao redor do assunto principal. Dei voltas e divaguei, deixei então um desenho único e completamente parcial. E agora, leitor, meu último aviso: aprecie com moderação.
Inicialmente minha ideia de conclusão envolvia uma pequena mudança na frase de um grande pensador, muitas vezes mal interpretado: mulheres de todo o mundo, uni-vos! No entanto, finalizar com um filósofo seria contra tudo que me esforcei para colocar em palavras. No lugar disto, deixo como sugestão a leitura de Mary Wollstonecraft, filósofa britânica considerada uma das precursoras do que se conhece como feminismo.
Não consigo nem devo evitar a investigação interna sobre meus motivos para escrever este ensaio. Seria uma indignação pessoal? Certamente. Um provável ressentimento? Com certeza. Uma necessidade de gritar para me fazer ouvida? Também se encaixa. Odeie-me. Diga palavras feias para mim. Leia-me e queime. Fale sobre meu exagero, meu rancor. Mas veja-me. Fale de mim. Leia-me. Escute-me. Em caso de recusa, chamarei reforços. Falar baixo nunca mais.
Curtiu o texto? 🙂 Apostamos que você também vai gostar deste: Onde estão as mulheres que fizeram a história?
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